Extractos da intervenção de Jerónimo de Sousa

A luta persistente dos povos<br> derrotará a ofensiva anti-social

Governo português cumpriu o papel de notário dos interesses dos grandes interesses do capital multinacional

«Estamos a escassos dias da sessão de ratificação do Tratado de Lisboa na Assembleia da República portuguesa.
Contrariando todos os compromissos assumidos que garantiam uma prévia consulta popular, em referendo, os partidos do “bloco central”, PS e PSD, na companhia do CDS-PP preparam-se para consumar o acto de negação do direito do povo português a pronunciar-se sobre tão importante matéria que condiciona o seu próprio destino e a sua vontade soberana.
(…) Confrontados com a recusa pelos povos francês e holandês do amplamente contestado “tratado constitucional”, os dirigentes da União Europeia, a elite política e económica, que abraça e concretiza o projecto do grande capital de imposição de um rumo federal e anti-social da integração capitalista europeia, optou pelo caminho da mistificação e da manobra política para impor a sua solução e sua visão da Europa.
Desde logo pelo embuste que significa a apresentação de um tratado que é praticamente a cópia do “ tratado constitucional” rejeitado e dado como novo e diferente para, de seguida, justificar a fuga à realização de referendos.
Produto das grandes potências e do grande capital europeu visando a consolidação e reforço do seu poder e domínio sobre o processo de decisão da União Europeia, num momento que lhe é atribuída personalidade jurídica e são transferidas mais competências dos Estado, teve na Presidência Portuguesa o instrumento dócil aos ditames da agenda definida por Berlim que tudo fez para dar eficácia ao logro de apresentar como êxito e obra sua o que havia sido minuciosamente preparado pela Presidência Alemã.
Portugal cumpriu sem relutância esse secundário papel de notário dos interesses dos grandes senhores e dos grandes interesses da Europa do capital multinacional, mas também deliberada e conscientemente a função de biombo atrás da qual se encobriu por calculada conveniência a Alemanha e os grandes interesses que representava, ao mesmo tempo que se iludia a gravidade das consequências do novo Tratado da União Europeia para o nosso país e para os trabalhadores e povos da Europa.
No passado sábado, Mário Soares, um insuspeito defensor da integração federalista da Europa, confirma sem o querer o que há muito havíamos dito e denunciado sobre este secundário papel do governo português, quando afirma que “ o Tratado de Lisboa é um trabalho à alemã”. “O Tratado ficou praticamente feito nessa Presidência” (...) “a senhora Merkel preferiu que ele fosse apresentado por um país pequeno”. Percebe-se porquê, dizemos nós. É antiga e permanente a arte de dissimular dos grandes interesses atrás do ilusório interesse comum.

Portugal perde

(…) Com este tratado, Portugal perde. Perde mais competências em numerosos domínios, deputados no Parlamento Europeu, influência no processo de decisão do Conselho.
Perdem as forças da paz na Europa e ganham as forças da militarização da União Europeia e das relações internacionais, de corrida aos armamentos, de ingerência nos assuntos internos dos Estados, de agressão e guerra.
Com este tratado, perde a democracia económica e o direito do povo a decidir sobre as opções do seu próprio desenvolvimento e aprofunda-se a estrutura onde se alicerça a política neoliberal promovida pela União Europeia, como o mercado único e o primado da concorrência capitalista, a União Económica e Monetária, o Euro, o Banco Central Europeu, o Pacto de Estabilidade, a liberalização dos mercados.
Com este tratado perdem os trabalhadores e os povos com a fragilização dos seus direitos sociais e ganha um novo impulso a liberalização e privatização dos serviços públicos através da sua integração no mercado único, transformando-os em "serviços de interesse geral", "económicos" ou "não económicos", sendo dado poder discricionário ao Tribunal de Justiça Europeu quanto à sua definição.
Com este Tratado é, no fundo, a democracia que perde, porque os povos estão cada vez mais afastados da possibilidade de influenciar e decidir sobre as políticas que determinam o seu futuro.

Desigualdades agravadas

(…) Apresentada com objectivo de transformar a União Europeia até ao fim desta década, meta agora revista e adiada, na “economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo “e garantir o pleno emprego e a eliminação da pobreza, é hoje muito claro que tais proclamados propósitos não só não se estão a confirmar, como à medida que o tempo corre é no sentido do agravamento dos problemas sociais que tal estratégia se realiza.
(…) É a nossa própria experiência nacional que põe em evidência a insanável contradição entre os reais propósitos de liberalização, privatização e flexibilização do mercado de trabalho que estavam no cerne da nova estratégia europeia de Lisboa e os proclamados objectivos da criação de mais emprego e de emprego com qualidade e de combate à pobreza.
(…) O desemprego atingiu, neste princípio do ano, um nível histórico ao mesmo tempo que se agrava para níveis nunca antes vistos a precariedade no emprego. Resultados desastrosos que se expressam também na degradação das condições de vida dos trabalhadores em resultado do aumento custo de vida, da política de contenção salarial, de perpetuação das reformas e pensões de miséria, ao mesmo tempo que se aprofunda e generaliza o ataque ao património de direitos sociais dos portugueses, nos domínios da saúde, da educação e da segurança social impondo novos sacrifícios aos trabalhadores e às populações.
É este o resultado da ofensiva neoliberal: mais desigualdade, mais injustiça social que se aprofundará com a concretização do novo Tratado.

Novos ataques se preparam

(..) O poder político e os grandes interesses económicos da Europa já mostraram que querem ir mais longe na sua ofensiva desreguladora do mercado de trabalho e destruidora de direitos sociais e laborais. (…) Isso é cada vez mais visível nas sucessivas decisões institucionais da União Europeia que, com a assinatura do acordo para o novo Tratado, passaram à ofensiva de forma aberta.
As recentes e graves decisões do Tribunal de Justiça Europeu, sobre os casos Laval, na Suécia e Viking Line, na Finlândia, depois de dois anos de calculado silêncio e agora também o caso Ruffert, empresa alemã, vieram tornar claro que o artigo 49.º do Tratado da União Europeia que está em vigor, e que se mantém no projecto do Tratado de Lisboa, sobre o direito de estabelecimento e liberdade de circulação das empresas, é usado para justificar práticas de dumping social, para desvalorizar a negociação colectiva, para deslocalizar trabalhadores de países de baixos salários para países com maiores salários, mantendo a diferença salarial do país de origem para colocar trabalhadores em concorrência.
É a liberdade de empresa a sobrepor-se à liberdade dos trabalhadores de se organizarem, defenderem os seus salários e os seus direitos conquistados. É já a aplicação da contestada directiva Bolkestein de liberalização dos serviços e da aplicação do “principio do país de origem” sem sofismas, nem rodeios, a coberto de um Tribunal que decide contra os trabalhadores, baseando-se, nomeadamente, em disposições dos tratados europeus.

Secundarização dos direitos

(…) No Tratado de Lisboa não só se mantêm todas as normas que estão na origem desta inaceitável secundarização dos direitos do trabalho, como se agrava o seu enquadramento ao reduzir aos mínimos os direitos inscritos na Carta dos Direitos Fundamentais.
Isso é evidente quando se compara tal Carta e a Constituição da República Portuguesa.
Dois exemplos apenas:
No artigo 15.º da Carta dos Direitos Fundamentais apenas se garante que “todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite”, enquanto a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 58.º, garante que “todos têm direito ao trabalho”;
No artigo 30.º da Carta dos Direitos Fundamentais apenas se garante que “ todos os trabalhadores têm direito a protecção contra os despedimentos sem justa causa”, enquanto a Constituição da República Portuguesa, no artigo 53.º, afirma claramente que “é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa”.
O que fica claro é que a dita Carta dos Direitos Fundamentais não garante o trabalho, não proíbe despedimentos sem justa causa, nem proíbe o lock out. É por isso que nós dizemos que esta é uma Carta que reduz as conquistas históricas dos trabalhadores à expressão mínima. A Carta não é assim um avanço, mas um retrocesso, uma regressão que fica aquém da actual Carta Social Europeia e muito longe da nossa Constituição.
É por isso também que nós não abandonaremos a exigência do cumprimento da Constituição da República Portuguesa que protege os trabalhadores contra despedimentos sem justa causa, o direito ao trabalho e ao trabalho com direitos, bem como garante o direito à contratação e negociação colectiva.
(…) No caso português e pela mão do governo do PS o conjunto de alterações que estão contidas no seu Livro Branco das Relações Laborais com vista à alteração do Código de Trabalho, a serem concretizadas, significariam um grave retrocesso na garantia dos direitos dos trabalhadores.

Resistência combativa

(…) Os últimos tempos, no nosso país, têm sido marcados por uma ampla e combativa luta de resistência e pela exigência de mudança.
Luta que envolve centenas de milhar de trabalhadores desde a expressiva greve geral do ano passado, às empolgantes manifestações de massas, nomeadamente aquelas que trouxeram às ruas de Lisboa mais de 200 mil trabalhadores contra a ofensiva anti-social do governo do PS de José Sócrates e em oposição ao projecto neoliberal reinante na União Europeia que o Tratado consagra, mas também, entre outras, as grandes lutas da Administração Pública, a recente luta dos professores com a participação de cerca de 100 mil numa empolgante manifestação e ainda esta semana, assistimos em Lisboa e no Porto, a duas expressivas manifestações, contra o projecto de introdução da flexigurança em Portugal, em defesa dos direitos consignados na lei e na contratação colectiva, e por salários justos e pela estabilidade no emprego.

É possível inverter
a integração capitalista


(…) O PCP reafirmando a sua frontal oposição ao Tratado e assumindo coerentemente os seus compromissos para com o povo português e a defesa da soberania e independência nacionais, afirma com confiança que é necessário e possível inverter o actual rumo da “integração europeia”.
Ao contrário do que se pretende fazer crer, esta “integração europeia” está longe de ter o consentimento dos povos e de ser uma inevitabilidade.
O resultado dos referendos realizados em França e na Holanda, assim como os esforços para a não realização de novos referendos, aí estão a evidenciá-lo.
Não há soluções que se imponham para todo o sempre sem a participação dos povos e contra a sua vontade. Não há soluções que resistam à continuada e persistente luta dos povos. É partindo da salvaguarda da soberania e independência nacionais, como valores fundamentais e inalienáveis e condições essenciais para a defesa dos interesses do povo português e do projecto de desenvolvimento consagrado na Constituição da República Portuguesa, que pugnamos por uma outra Europa.
Uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, onde cada povo não seja desapossado do exercício e controlo democrático dos instrumentos económicos, sociais, políticos e culturais necessários à salvaguarda do seu presente e futuro.
Uma Europa de progresso, que tenha como objectivo a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e das populações, o progresso económico e social e a promoção da justiça social.
Uma Europa com uma nova política de promoção do emprego e de reforço dos direitos sociais e laborais que aposte na solidariedade e no combate à pobreza e nos sistemas públicos e universais de segurança social, saúde e educação com a concretização efectiva do princípio da coesão económica e social.
Uma Europa de paz, que respeite e promova os princípios da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos Estados, bem como o desarmamento, a dissolução dos blocos político-militares e a solidariedade, a amizade e a cooperação entre os povos.
Este é o combate que estamos empenhadamente a travar e que prosseguirá no futuro, porque esta é uma luta que não terminou!»


Mais artigos de: Europa

Tratado europeu prossegue estratégia do capital

Oito anos decorridos desde a adopção da chamada «Estratégia de Lisboa», a situação social e económica na generalidade dos países europeus é marcada pelo agravamento do desemprego, pela redução dos salários, de direitos laborais e sociais, pelas deslocalizações e estagnação das economias que, apesar do aumento exponencial dos lucros das grandes multinacionais, permanecem perigosamente à beira do profundo abismo da recessão.

Conspiração para o «Sim»

Uma correspondência confidencial publicada pelo jornal irlandês Daily Mail revela que o governo de Dublin procura enganar os eleitores para assegurar a vitória do «Sim» no único referendo sobre o tratado que terá lugar na União Europeia.

Estado socorre banca

O Banco de Inglaterra anunciou na segunda-feira, 21, um plano sem precedentes destinado a salvar o sistema bancário da iminente insolvência que paira sobre muitas entidades.

Tribunal declara greve ilegal

O tribunal de Galati declarou ilegal a greve iniciada a 14 na siderurgia da ArcelorMittal, instalada nesta cidade no Leste da Roménia.O sindicato Solidaritatea, que lançou o apelo de greve, considerou a decisão dos magistrados, anunciada no dia 16, como «um complô político-jurídico-financeiro contra os operários de...

Conflito anunciado

O sindicato alemão Ver.di anunciou no sábado, 19, o início de uma greve ilimitada a partir de 2 de Maio, caso até lá a administração da Deustche Post não aceite as reivindicações de aumentos salariais.Depois de terem ganho duras batalhas na administração pública, no sector metalúrgico e nos caminhos-de-ferro, as...

Um verdadeiro tratado

É possível encontrar muitas definições para um tratado internacional. «Acordo resultante da convergência das vontades de dois ou mais sujeitos de direito internacional, formalizada num texto escrito, com o objectivo de produzir efeitos jurídicos no plano internacional» ou «meio pelo qual sujeitos de direito internacional...